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25/06/2017

Nossas Horas Felizes | Gong Ji-young

Você está infeliz? 

Você já sentiu vontade de não viver mais? Já sentiu que nada dava certo e que você não tinha um lugar no mundo? Um inconveniente, um estorvo, um peso para todos ao seu redor... Yujeong, uma jovem coreana de família abastada, sim. E, pela terceira vez, ela tentou suicídio. 
Livro Nossas Horas Felizes
Sofrendo de uma depressão há muito tempo e sem apoio algum da família. Yujeong está revoltada com o mundo - as situações lhe pareciam clichês, as pessoas não passavam de hipócritas e tudo era digno do mais profundo desprezo. Inclusive a terapia a que seria obrigada a se submeter devido à tentativa de se matar. Ansiosa para fugir das entediantes e inúteis sessões, ela aceita a alternativa proposta por irmã Mônica, sua tia freira e única pessoa que demonstrava se importar de verdade com Yujeong: a jovem deveria acompanhá-la em suas visitas semanais aos prisioneiros do corredor da morte.

"Queria dizer que estaria melhor em uma clínica psiquiátrica. Mas sempre havia algo nas palavras de tia Mônica que vinha de algum lugar familiar. Algo que me desarmava. Seria o amor que ela sempre demonstrara por mim? Ou era a tristeza de uma tia que tinha me envolvido em seus braços e chorado? (...) Eu sabia que fazia tempo que tia Mônica rezava por mim." (p. 62)


É assim que ela conhece Jeong Yunsu, um homem condenado à morte por seus crimes hediondos. Yujeong, que a princípio não compreende o porquê de uma devota tão fiel quanto sua tia gastar tempo e energia com homens tão cruéis, aos poucos percebe que ela e Yunsu tem mais em comum do que ela poderia imaginar: ambos desejam a morte mais do que qualquer coisa que a vida poderia oferecer. A passos hesitantes, as duas almas desesperadas se permitem conhecer uma à outra - seus traumas, seus medos, suas histórias - e os conhecimentos que vão tirar de suas conversas verdadeiras pode mudar tudo o que pensam sobre o mundo, o perdão e o amor.

Um ato de egoísmo?

Espero que vocês não se importem de eu já começar essa resenha polemizando. Quem acompanha o blog há mais tempo, sabe bem o quanto o tema do suicídio me toca profundamente e eu não poderia deixar de comentar a forma como o mesmo foi retratado nessa obra. Acho inclusive que as primeiras páginas tiveram um impacto tão negativo na minha opinião que eu me fechei para a experiência do enredo completo e foi muito difícil separar as coisas para poder vir falar para vocês sobre o livro. Vou deixar um trecho para vocês:

"(...) se alguém tivesse colocado um estetoscópio em meu peito naquela época, provavelmente teria ouvido: Por que a Terra não pode girar ao meu redor? Por que você não está disponível quando eu me sinto sozinha? Por que coisas boas continuam acontecendo àqueles que odeio? Por que o mundo continua me irritando e se recusando a me dar uma mísera migalha de felicidade?" (p. 16)


Posso estar errada. Mas essas frases, que fazem parte um parágrafo de página inteira no mesmo tom, me passaram a impressão horrível de que a depressão que Yujeong claramente vivia foi representada como uma fase da vida em que ela não conseguia ver nada além do próprio umbigo. E, sinceramente, até quando os transtornos psicológicos - especialmente um tão recorrente na nossa sociedade atual - serão vistos como falhas de caráter do indivíduo? Como algo que ele próprio atrai para si? Apesar deste ponto já tenha incomodado o suficiente para me fazer considerar a possibilidade de abandonar a leitura, decidi dar mais uma chance à Gong Ji-young e, embora ela não tenha se redimido, pelo menos trouxe alguns aspectos positivos para a narrativa.

"Existia alguma infelicidade que não tivesse uma história por trás? Uma tristeza que não fosse injusta?" (p. 29)


Um deles foi a reflexão muito pertinente sobre o desejo de morrer: com o decorrer da história, Yujeong compreende que ninguém quer morrer - só não querem mais viver daquela forma. Pensar dessa forma traz esperanças para todos os que estão vivendo essa situação desesperadora e, talvez, faça com que os próximos a essa pessoa não desistam dela. A depressão é feia e difícil - mas não significa que estamos condenados para a eternidade.  
Livro Nossas Horas Felizes

Não somos nossos erros

Porém, o fator decisivo para eu não considerar Nossas Horas Felizes uma das piores leituras do meu ano (desculpa) foi a discussão que a autora levanta sobre as condições desumanas dos presidiários e da pena de morte, que ainda vigora em muitos países. Eu sou contra essa prática, mas nem sempre pensei assim: antes de entrar na faculdade, eu não achava que seria possível a reabilitação de alguém que cometera uma atrocidade. Mas as pessoas erram, e Gong Ji-young tenta fazer o leitor perceber isso na trama: nós julgamos as ações dos indivíduos sem pensar na verdade deles, sem indagar por quê motivo eles chegaram neste ponto. E, por piores que os crimes sejam, precisamos entender que ainda são humanos e merecem ser tratados como tal - afinal, qual seria a grande diferença entre nós e eles se nos sentíssemos no direito de decidir quem merece viver ou morrer?

"O mundo só julga nossas ações. Não podemos mostrar nossos pensamentos para as outras pessoas e não temos como ler a mente uns dos outros. Então será que o crime e o castigo são realmente válidos?" (p. 186)


Por outro lado, embora muito tenha me agradado que a autora desenvolvesse esse tema, me incomodou o fato de que ela tenha se decidido por um desfecho "fácil" para garantir que os leitores se penalizassem por Yunsu - foi algo que, para mim, acabou por descaracterizar toda a intenção de conscientizar sobre a pena de morte e o sistema prisional. Se você não quiser spoiler, NÃO LEIA AS PRÓXIMAS FRASES, pule direto para o próximo parágrafo, okay? Gong Ji-young faz toda a construção de Yunsu como um criminosos para, no final, torná-lo um mártir. Um homem que, embora tenha cometido erros na vida, estava preso injustamente e morreu inocente. Isso me incomodou, porque eu senti que o livro perdeu toda a sua essência de mostrar os criminosos como humanos e pendeu mais para o lado de criticar um sistema prisional falho - o que não deixa de ser verdade, mas não é o que foi trabalhado durante todo o enredo.
Livro Nossas Horas Felizes
Nossas Horas Felizes traz uma narrativa um tanto quanto confusa, não sei se devido à cultura da autora que é muito diferente da que estamos acostumados: alguns capítulos começavam sem uma conexão clara com o anterior e a ligação entre eles nem sempre era formada, além de muitas pontas soltas que foram deixadas na própria história de vida dos personagens. Senti os diálogos um pouco forçados e algumas partes eu não compreendi - provavelmente por algum erro de tradução. Mas, também, levanta pontos de importante reflexão, como a culpabilização da vítima, os efeitos a longo prazo de abusos e ausência de apoio familiar, as condições desumanas a que presidiários são submetidos... É uma leitura válida e, talvez, funcione melhor para vocês do que funcionou para mim. Vale a pena dar uma chance 😊

"Só alguém que tenha sido amado pode amar. Só alguém que tenha sido perdoado pode perdoar."


Título: Nossas Horas Felizes | Autor: Gong Ji-young | Editora: Record | Páginas: 279 | Skoob

Razoável

Vocês já conheciam Nossas Horas Felizes? O que acharam do enredo? Leriam ou nem? Me contem nos comentários!

Obra recebida como cortesia do Grupo Editorial Record. Isso não afeta a honestidade da minha opinião!

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