Sobrenatural... ou psicológico?
É difícil conceber tudo o que uma mera construção pode representar para diferentes pessoas em períodos de tempo distintos. Por um tempo, foi um lar para a família Barrett: uma humilde porém confortável casa no subúrbio, alegrada por risadas leves e soltas de duas irmãs que demonstram seu amor irritando uma à outra. Após a demissão do patriarca da família, o clima começa a ficar um pouco mais sombrio, visto que o dinheiro que sua esposa trazia para casa mal era suficiente para colocar comida na mesa e ele não tinha qualificação para exercer qualquer outra profissão (olá, proletariado). Mas as coisas desandam de vez quando Marjorie, a filha mais velha, começa a agir de uma forma um tanto quanto estranha...
A mudança no comportamento é atordoante: a garota alegre de 14 anos que adorava inventar histórias bobas para a irmã mais nova subitamente passa a dar um colorido macabro para suas narrações e um tom de ameaça implícito. Marjorie passa a ir cada vez menos à escola e a se isolar no quarto, tendo como companheiros fiéis os fones de ouvido - e as vozes que diz estarem em sua cabeça. Ao consultar os médicos, ela é diagnosticada com esquizofrenia aguda: e o tratamento estava completamente fora do orçamento da família. Suas crises ficam cada vez piores e John, que voltou as esperanças à Igreja quando foi despedido, começa a suspeitar que algo maligno esteja se infiltrando no lar dos Barrett por meio de sua garotinha.
A protagonista dessa história, contudo, não é Marjorie - mas sim sua irmã, Meredith (ou simplesmente Merry). Quinze anos depois, a jovem é contactada pela famosa escritora Rachel Neville - que deseja contar para o mundo a verdadeira história da família Barrett, não o que aquele reality show horrível mostrara. É pelo ponto de vista da garota de oito anos que veremos como a doença de Marjorie lentamente a consumiu, como seus pais desesperados concordaram em buscar uma segunda opinião religiosa, como o padre Wanderly constatou que sua irmã estava possuída e precisava ser exorcizada... Como seus pais, em uma situação financeiramente deplorável, aceitaram que câmeras fossem instaladas na residência que já fora um lar, invadindo a privacidade de cada um deles e tornando a miséria de Marjorie um show público. E as consequências dessa decisão podem deixar marcas eternas...
"Não há nada de errado comigo, Merry. Apenas meus ossos que querem romper a minha pele, como as coisas que crescem, e perfuram o mundo."
A protagonista dessa história, contudo, não é Marjorie - mas sim sua irmã, Meredith (ou simplesmente Merry). Quinze anos depois, a jovem é contactada pela famosa escritora Rachel Neville - que deseja contar para o mundo a verdadeira história da família Barrett, não o que aquele reality show horrível mostrara. É pelo ponto de vista da garota de oito anos que veremos como a doença de Marjorie lentamente a consumiu, como seus pais desesperados concordaram em buscar uma segunda opinião religiosa, como o padre Wanderly constatou que sua irmã estava possuída e precisava ser exorcizada... Como seus pais, em uma situação financeiramente deplorável, aceitaram que câmeras fossem instaladas na residência que já fora um lar, invadindo a privacidade de cada um deles e tornando a miséria de Marjorie um show público. E as consequências dessa decisão podem deixar marcas eternas...
Literalizando...
Me recuso a dizer mais uma única palavra sobre o enredo! Na Escuridão da Mente é um livro que você precisa descobrir por conta própria - e qualquer detalhe a mais pode fazer toda a diferença em sua experiência de leitura. Mas antes que você decida se aventurar na trama de Paul Tremblay, deixe que eu esclareça algo: este não é um livro de terror do estilo assustador que vai te obrigar a dormir com a luz acesa por alguns meses - embora esteja sendo erroneamente vendido como um. Antes de tudo, é uma obra sobre a loucura e seus extremos, sobre como ela nos afeta, sobre como não queremos saber dela, sobre até onde chegaríamos apenas pelo alívio de poder negar sua existência. É um terror psicológico, no sentido que nos compele a encarar o desconhecido."Mamãe se deitara ao meu lado. Eu chorava histericamente e perguntava sem parar o que havia de errado com a minha irmã. Ela esfregara minha testa e mentira para mim, dizendo que tudo ficaria bem."
O grande mérito do livro, contudo, é também sua notável falha: o fato de contarmos majoritariamente com a narrativa de Merry. Considerando que ela tinha apenas oito anos à época, passamos maus bocados tentando diferenciar o que é real e o que é produto de sua assustada mente infantil - e ela se torna uma relatora ainda menos confiável quando ponderamos a respeito do longo tempo que se passou: quinze anos é muito mais do que suficiente para que suas memórias tenham sido de algum forma alterada, seja por suas próprias fantasias e pesadelos ou pelo que leu na mídia sobre o caso que ficou extremamente famoso. Como disse, temos dois lados de uma mesma moeda aqui: ao mesmo tempo que essa abordagem torna possíveis diversas interpretações sobre a leitura (algo que acho incrível, pois cada um terá um experiência diferente com a obra) também faz com que outros aspectos sejam deixados de lado - a construção de personagens secundários extremamente importantes como, por exemplo, os próprios pais das garotas.
Além da narrativa de Merry, contamos com colaborações esporádicas de uma blogueira que analisa todo o reality show em uma série de postagens, sob um ponto de vista crítico e cético. Essas passagens, embora de admitir que quebram um pouco o ritmo da narrativa, foram muito caras para mim por suscitarem reflexões sobre emas que nem sempre encontramos nas obras literárias: o fanatismo religioso e a atribuição das doenças mentais à entidades malignas; o capitalismo e quão longe as pessoas iriam por ele; a objetificação do corpo feminino, mesmo quando ainda se trata de uma criança; e sobre a mania doentia do ser humano de assistir à desgraça alheia como entretenimento para sentir-se melhor em relação à sua própria vida. Aos fãs de carteirinha do terror clássico: vocês não vão achar nada de original no medo proposto aqui. Por outro lado, encontrarão referências sem fim a filmes, livros e todas as outras produções do estilo - e essa escolha é completamente coerente com o que o autor planejou para o desfecho intrigante da obra. Também não esperem encontrar respostas prontas: em Na Escuridão da Mente só podemos contar com nossas suposições e teorias - e talvez nunca venhamos a chegar em uma conclusão.
"Tudo está velho, abandonado e, de certa forma, exatamente igual. Porém a poeira, as teias de aranha, o reboco rachado e o papel de parede descascando parecem de mentira. A passagem do tempo é como um adereço para a história aquela que fora contada e recontada tantas vezes que perdera seu significado, mesmo para aqueles de nós que a viveram."
Aleatoriedades
- Recomendo fortemente que leiam o livro ouvindo a música Gloomy Sunday. Ela é mencionada em certa cena e traz um clima um tanto quanto macabro que combina totalmente com a vibe do livro.
- Os remédios usados para as fotos foram Buscofem e Amoxicilina - nada demais, só minha salvação para cólicas e o que restou da receita para sobreviver à extração dos sisos.
- Eu estava completamente revoltada com a iluminação no dia, porque o sol decidiu se esconder no momento que ia dar o primeiro click. Para minha surpresa, acabei adorando o tom mais sombrio que as fotos tomaram - a vida é estranha.
- Nos últimos meses o chá foi substituído por café, porque só esse líquido divinamente energético para me ajudar em final de período/maratona literária/vôo da libélula.
Titulo: Na Escuridão da Mente | Autor: Paul Tremblay | Editora: Bertrand Brasil | Páginas: 266 | Skoob
O que vocês acharam do livro? Alguém já leu? Me contem nos comentários!
Obra recebida como cortesia do Grupo Editorial Record. Isso não afeta a honestidade da minha opinião!
Obra recebida como cortesia do Grupo Editorial Record. Isso não afeta a honestidade da minha opinião!
VOA, LIBELINHA,
VOA 🙙