Erros não serão perdoados
Dizem que águas passadas não movem moinhos. Mas talvez o ditado não se aplique no novo caso que tem assombrado a cidade de Oslo e tirado o sono de todos os seus habitantes: policiais que participaram da equipe de investigação de crimes arquivados estão sendo assassinados com requinte de crueldade, quase que em um ritual macabro em homenagem às vítimas injustiçadas. Quando aqueles cujo dever é defender a população se tornam alvos, a porta é escancarada para o medo entrar: como proceder quando as pistas levam a um beco sem saída escuro... e perigoso?
Literalizando...
Um dos maiores desafios que eu enfrento quando se trata de resenhar um livro de suspense policial é saber o quanto revelar do enredo - querendo ou não, a própria característica de trama intricada desses livros já complica a tarefa de sintetizá-lo de uma forma que não acabe estragando a experiência de alguém. Por algum motivo, com Polícia esta tarefa se mostrou ainda mais árdua: juro, o livro está na minha cabeceira há muito tempo sem que eu soubesse sequer como começar a falar sobre ele e creio que isso se deve justamente à forma como Jo Nesbø constrói em sua narrativa uma complexa teia de aranha - e prende o leitor nela, só aguardando o momento certo para devorá-lo.
“Talvez não seja importante ou relevante, mas tudo significa alguma coisa. E a gente começa a procurar onde há luz, onde se vê alguma coisa.”
Mas calma. Antes de falar mais sobre a obra, eu tenho duas coisas para comentar: primeiramente, (fora temer) Polícia é o D É C I M O volume dos casos de Harry Hole e, embora a série siga a filosofia de não-obrigatoriedade de leitura em uma ordem determinada, é pouquíssimo recomendado lê-lo antes do seu antecessor, O Fantasma. Recebi uns spoilers indesejados por não saber disso, então já deixo aqui o aviso para poupá-los caso queiram ler todos os livros do autor norueguês. A outra questão é um pouco mais séria e vem acompanhada de uma sugestão (um pedido, para ser mais sincera) para as editoras: por todos os deuses, sinalizem quando um livro possuir gatilhos. Por muitas vezes eu quase desisti da leitura devido às cenas detalhadas de estupros - eu simplesmente não conseguia controlar o enjoo e a vontade de chorar. É um tema pesado e um acontecimento traumático presente na vida de muitas mulheres - e reviver qualquer cena disso em um livro cuja proposta é entreter chega a ser um tanto cruel. Se você tem fortes emoções desencadeadas por esse tema, eu recomendo que pense duas - até três - vezes antes de escolher essa como sua próxima leitura.
Ufa! Você ainda estão aí? Imagino que agora queiram saber o que eu achei da obra - e eu juro que vou direto ao ponto, sem preâmbulos agora. Meu contato com romances policiais é relativamente recente e foi bem aos poucos que criei gosto pelo mistério e suspense desse tipo de literatura... mas Jo Nesbø leva isso a níveis extremos. Ele não se contenta em criar tensão: ele sacaneia o leitor, o tempo inteiro. A forma como ele descreve as cenas faz com que a adrenalina vá às alturas, só para despencar quando percebemos que fomos enganados e que nada de ruim vai acontecer ali... até que acontece. Quando você pensa que está vacinado contra as pegadinhas, o autor te dá uma rasteira e vira o mundo de cabeça para baixo. A leitura de Polícia é uma verdadeira montanha-russa de emoções e talvez por isso as mais de quinhentas páginas passem tão rápido.
“O Universo é sombrio. Nascemos maus. O mau é o ponto de partida, o natural. Aí, de vez em quando, surge uma luzinha bem pequena no fim do túnel. Mas ela é apenas temporária, temos que voltar à escuridão.”
Um dos meus medos ao descobrir que era um volume tão à frente na série era encontrar personagens já completamente construídos com os quais eu não conseguiria criar uma relação intíma - ledo engano. O autor demonstrou muito domínio sobre suas criações ao, além de apresentá-los de forma sucinta e sutil, desenvolver suas personalidades e relacionamentos de um forma sólida. Quando assustei, já tinha me apegado às peculiaridade de cada um na forma de lidar não apenas com o caso, mas com a vida. Quanto ao protagonista... devo admitir que foi o que menos me conquistou. Por mais que seja admirável a profundidade que Harry Hole apresenta como personagem, algumas de suas características me perturbaram de forma irreparável - mas creio que a genialidade da construção desse detetive é justamente essa: ele não é o "herói" que veio para salvar a todos com seus insights sobrenaturais - é um homem com muita experiência em seu trabalho e capaz de ver as coisas por outros ângulos, mas também tem fantasmas, desejos proibidos, vícios e segredos. É imperfeito.
No final das contas, é uma obra que recomendo fortemente quando já se tem ciência dos pontos que destaquei. Os apaixonados por romance policial irão à loucura com a narrativa frenética e trama intrincada de Jo Nesbø - só não comecem por esse volume como eu fiz!
“– O modo como escolhemos quem protegemos muitas vezes é um mistério, não acha?”
Título: Polícia | Autor: Jo Nesbø | Ano: 2017 | Editora: Record | Páginas: 546 | Compre na Amazon
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O que acharam do livro? Já leram ou leriam? Me contem nos comentários!
VOA, LIBELINHA
VOA 🙘
Obra recebida como cortesia do Grupo Editorial Record. Isso não afeta a honestidade da minha opinião!