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25/02/2019

Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Persuasão | Jane Austen

Nós abominamos spoilers. Você está seguro.

Romance em dose tripla

É difícil sequer conceber que algum leitor nunca tenha ouvido falar de Jane Austen e de sua influência na literatura. A britânica publicou seu primeiro romance, Razão e Sensibilidade, em 1811 sem assinar o seu nome: como o cenário literário era ainda predominantemente masculino, Jane decidiu publicar seu livro sob o pseudônimo "A Lady" ⎼  obra foi recebida com calorosas críticas positivas, embora muitos ainda duvidassem de que se tratasse de fato de uma autora (e não de um homem escrevendo sob uma perspectiva feminina) e a primeira edição esgotou rapidamente. Sua obra mais famosa, Orgulho e Preconceito, foi publicada em 1813 e Persuasão, livro em que trabalhou em seu período de adoecimento, foi publicado postumamente em 1818 ⎼ Jane Austen faleceu, em 1817, sem ter a dimensão da revolução que suas obras causariam e do impacto que ainda hoje causam.
Livro "Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Persuasão", de Jane Austen (Editora Martin Claret)

Razão e Sensibilidade

A vida confortável se torna um passado distante para as Dashwood, mãe e filhas, quando o sr. Dashwood falece deixando todas as suas posses e propriedades como herança ao filho mais velho, fruto de outro relacionamento, como dita os costumes. Obviamente, nunca foi o objetivo do patriarca deixar sua família em uma condição miserável, vivendo às custas de caridade, por isso ele impôs em seu testamento a condição de que o filho cuidasse atenciosamente do bem-estar de suas meio-irmãs ⎼ algo que ele, claro, faria de muito bom gosto caso não tivesse sido tão convincentemente persuadido por sua esposa de que aquele gesto não era necessário, além de poder ser lido como certa humilhação pela sra. Dashwood e suas filhas.

❝Às vezes somos guiados pelo que dizemos de nós mesmos e com muita frequência pelo que outras pessoas dizem de nós, sem que paremos para refletir e julgar.❞

A partir daí que há de se desenrolar a narrativa do conflito entre duas características tão dúbias quanto as que nomeiam a obra. A razão é representada pela primogênita Elinor Dashwood, com seus modos contidos e equilibrados, enquanto Marianne toma a forma da sensibilidade por meio de intensos rompantes emotivos ⎼ diferenças estas que seriam insuperáveis, não fosse o grande amor e afeto que envolve todas as mulheres da família em laços fortes de apoio e união. A pouca atratividade do modesto chalé para as relações sociais das Dashwoods é compensado pela presença agradabilíssima das jovens, educadas e naturais: tudo o que se poderia pedir de uma moça para que esta fosse considerada valiosa para um casamento bem arranjado.
Livro "Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Persuasão", de Jane Austen (Editora Martin Claret)

Orgulho e Preconceito

Quando se tem uma grande família e grande parte dela é composta por moças em idade de casar, não existem nervos que aguentem o estresse: é o que diria a sra. Bennet, matriarca da família que nutre o grande sonho de ver suas filhas em casamentos vantajosos ⎼ tornando-se, inclusive, um tanto quanto inconveniente para tal intento. O sr. Bennet, por sua vez, é calmo e taciturno, o que por vezes pode ser lido até como condescendência em sua falta de iniciativa. O casal tem cinco filhas e a situação financeira não é das melhores: um primo distante, herdeiro por direito de todos os bens da família, tem em suas mãos o poder sobre o destino das garotas ⎼ e tudo leva a entender que o que ele espera é arranjar um bom casamento para dar esta garantia de futura estabilidade à família.

❝Não mude, em proveito de um único indivíduo, o significado dos princípios e da integridade, nem tente convencer-se a si mesma ou a mim de que egoísmo é prudência e insensibilidade ao perigo, penhor de felicidade.❞

Não bastasse os nervos da sra. Bennet estarem em frangalhos pela audácia deste homenzinho miserável, visitas célebres chegam à cidade trazendo consigo a tão esperada chance de um casamento digno para suas filhas. O gentil e rico sr. Bingley está de mudança para a cidade e resolve comemorar sua chegada com um grande baile, no qual todos poderiam ser formalmente apresentados ⎼ o resultado teria sido gracioso (afinal, o rapaz demonstrou interesse pela bela e bondosa Jane!) se a desagradável presença do rude e orgulhoso sr. Darcy não tivesse interferido no decorrer dos acontecimentos. Tomando para si as ofensas contra sua família, a personalidade forte e intrépida de Elizabeth não poderia deixar para menos: o desdém do "cavalheiro" será tomado como uma falta grave em todo o seu caráter, o que reflete nas formas como as relações entre ambos são travadas: com faíscas.
Livro "Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Persuasão", de Jane Austen (Editora Martin Claret)

Persuasão

A vida de Anne Elliot tem sido, no mínimo, melancólica: além de perder sua mãe muito jovem, seu pai é um aristocrata decadente que se importa mais com manter as aparências do que com as finanças em termos práticos. Sua irmã mais velha, Elizabeth, não é muito diferente do pai ao passo que a caçula, Mary, é muito diferente dela mesma ⎼ e a única das Elliot a ter se casado. A única amiga de Anne, seu porto seguro, é a viúva lady Russell que, com seus conselhos e cuidados, tornou-se uma figura materna na vida de nossa doce e sofrida protagonista. Aos 28 anos, o amor já lhe parecia uma ilusão distante: estar solteira até tal idade só fazia com que os olhares se voltassem a ela com repulsa, mas pouco sabem eles que ela já tivera o amor de sua vida.

❝O mais grave de uma personalidade passiva e indecisa é que não se pode contar com nenhuma influência sobre ela. Nunca temos certeza de que uma boa impressão seja duradoura; todos podem modificá-la.❞

Anos antes, Anne se apaixonara perdidamente (e de forma recíproca, o que era a melhor parte), pelo capitão Wentworth: paixão esta que logo se tornou um noivado, embora a contragosto de todos os familiares. Lady Russell, porém, a convenceu de que aquele era um casamento fadado ao fracasso: o jovem era inconstante e não teria como sustentar nem mesmo a ela, que dirá uma família. Anne desfaz o compromisso e carrega consigo o arrependimento por aquela desilusão amorosa por anos até que, da forma mais inesperada de todas, a vida colocasse os antigos amantes face-a-face novamente: e tudo o que Anne viu foi desprezo na face daquele que um dia ela amou mais do que a própria vida ⎼ mas não o suficiente para se arriscar. 
Livro "Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Persuasão", de Jane Austen (Editora Martin Claret)

Literalizando...

Não se deixe enganar pelo fato das tramas se referirem quase que exclusivamente a arranjos matrimoniais: longe da superficialidade, Jane Austen tem o mérito de retratar a sua realidade histórica enquanto tece fortes críticas à sociedade utilizando desta que era até então uma questão central não apenas na vida feminina, como também na vida masculina devido ao seu valor essencialmente financeiro ⎼ bons casamentos acumulariam não apenas posses, como também reputação que valia tanto quanto se não mais. É muito importante ao leitor de Jane Austen (e de qualquer outro autor clássico) situar a produção em seu contexto: o Reino Unido vivia à época a chamada Era Georgiana (1714-1830), período que assistiu a imensas transformações por toda a Europa que ajudaram a moldar o mundo da forma como o conhecemos hoje. Este era um cenário em que a mulher de classe média ou baixa, geralmente vivendo no meio rural, servia apenas como um complemento familiar: sua vida era, então, resumida a cuidar dos filhos, gerar outros e tratar das obrigações domésticas. As protagonistas de Jane Austen são mulheres raras que, cada uma a sua maneira, desviam desses padrões impostos pela sociedade da época.

❝Você trespassa a minha alma. Sou agonia e esperança.❞

A curta vida de Austen, que morreu solteira aos 41 anos de idade, foi dedicada a fazer um contraponto a estas práticas utilizando-se de uma ferramenta tão inusitada quanto seus próprios ideais: a literatura, sempre produzida por homens para homens é invadida pela fina ironia da autora que, ao retratar as uniões movidas por interesses materialistas e hipocrisias, faz questão de expor o que havia de mais execrável nos indivíduos que se consideravam de alguma forma superiores por pertencerem a camadas sociais superiores. Para isto, a autora se utiliza de prosas longas e muito bem construídas, permeadas por argumentações astutas que questionam os "valores morais" vigentes  na época com uma boa dose de acidez ⎼ esta, por sua vez, muito bem disfarçada por baixo de uma camada generosa da boa e velha educação inglesa: inteligência, refinamento, bom humor e crítica social não faltam aos extensos diálogos que permeiam as obras.
Livro "Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Persuasão", de Jane Austen (Editora Martin Claret)
É importante ressaltar também que o ritmo dos enredos é costumeiramente mais lento, com uma descrição minuciosa dos acontecimentos e do interior dos personagens que nos falam.  A linguagem pode ser um dificultador para aqueles que não têm o costume, mas considero relativamente simples acostumar-se aos termos e ao estilo de Austen ⎼ o estranhamento durará no máximo algumas páginas, até porque a narrativa faz muito bem a sua função de envolver o leitor na trama: por mais distantes de nossa atualidade que sejam os romances e os dramas, algo da emoção ainda é capaz de nos tocar de forma ao mesmo tempo delicada e firme. A meu ver, se fosse necessário tecer uma única crítica ao conjunto da obra, seria a de que somos limitados a esta ínfima parte da sociedade ⎼ a das formas de ascensão social e de como se davam as relações ⎼, sem termos oportunidade de aprofundar mais na visão de Jane Austen sobre aspectos como o cenário político e outras camadas sociais: embora não tenha sido a intenção inicial da autora, é algo que provavelmente complexificaria a obra no geral.

❝Não é o tempo nem a oportunidade que determinam a intimidade, é só a disposição. Sete anos seriam insuficientes para algumas pessoas se conhecerem, e sete dias são mais que suficientes para outras.❞

A leitura deste volume certamente é melhor aproveitada se feita em intervalo entre os livros, para que cada um possa ser apreciado sem que se torne repetitivo ou maçante de qualquer forma ao leitor. A edição das fotos conta também com um capítulo adicional em Persuasão, o final original da estória ⎼ mas que Jane Austen excluiu e alterou por não ter ficado satisfeita. Foi no mínimo interessante poder comparar ambas as versões e não posso fazer mais do que concordar plenamente de que a mudança veio para melhor! A única coisa que deixou a desejar nesta edição da Martin Claret foi o espaçamento e o tamanho das letras: a diagramação no geral é muito apertada e pode se tornar desconfortável de ler durante a noite ou no trajeto de ônibus, por exemplo. É simples e funcional, infelizmente sem todo aquele capricho que todo leitor gosta.
Livro "Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Persuasão", de Jane Austen (Editora Martin Claret)

Aleatoriedades

  • Minha história com Jane Austen é de longa data: conheci pelo filme de Orgulho e Preconceito ainda bem nova, tentei ler o livro mas não me adaptei ao linguajar, re-assisti o filme inúmeras vezes até ganhar essa edição fofa (e esgotada, pelo que vi) de um amigo anos atrás. Demorei até ler o volume completo, mas a experiência valeu toda a espera!
  • Em termos prático, li um livro deste volume por ano. Então, sim, tem muito tempo que ele estava me encarando da estante exigindo que eu tomasse providências urgentemente.
  • Essas fotos foram tiradas na casa da avó do Luciano. Gostaria de dizer aqui que é incrível fazer sessão de clássicos em casa de gente velha, porque sempre tem esses apetrechos com carinha de antigos que complementam perfeitamente a foto.
Título: Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Persuasão | Autor: Jane Austen | Ano: 2010 | Páginas: 631



Ufa! Ainda estão por aí? Vocês já leram algum dos livros da Jane Austen? Se sim, o que acham desse clássico? Se não, têm interesse em ler? Me contem nos comentários!
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