Nós abominamos spoilers. Você está seguro.
O homem nasce mau, a sociedade o corrompe
A maldade, meus amigos, é algo no mínimo peculiar. Qual é o objetivo de sempre fazer o bem, afinal? Isso é algo a se pensar, e quero que me acompanhem, pois de maldade a noite está cheia, e para um grupoAquele que nos conta de suas desventuras é o próprio Alex, que comanda contentemente uma gangue composta por seus três
❝Maldade vem de dentro, do eu, de mim ou de você totalmente odinokis, e esse eu é criado pelo velho Bog ou Deus, e é seu grande orgulho e radóstia.❞
Para nosso honrado protagonista, entretanto, nada corre tão fluido. A prisão estadual o engole impiedosamente no primeiro grande deslize, o qual seria muitíssimo rude de minha parte lhes contar detalhe por detalhe. O importante é que Alex se dá muito mal, muito mal mesmo, e por mais otimista e astuto que possa ser nosso honorável protagonista, seu tempo na prisão só se alonga, até o infinito indistinto do passar dos anos claustrofóbicos daquela grande lata de metal e concreto. Tudo promete melhorar num ato político no mínimo apressado, que coloca Alex amarrado numa cadeira bizarra cheia de aparatos médicos de medição, prestes a ser uma das cobaias do famigerado Método Ludovico, que promete transformar qualquer delinquente, criminoso ou fera em corpo humano em um cidadão de bem, incapaz de fazer qualquer mal ⎼ certamente, meus amigos, pois ninguém consegue realizar atos da mais pura ultra-violência quando está a golfar seus❝Mas que tipo de mundo é esse? Homens na lua e homens girando ao redor da terra como mariposas numa lâmpada, e ninguém presta mais atenção às leis terrenas.❞
Literalizando...
A complexidade da mensagem transmitida por Laranja Mecânica contrasta fortemente com a simplicidade da história: composto em aproximadamente duas semanas, o livro conta com uma escrita densa, aprimorada pelo uso de uma linguagem elaborada pelo próprio autor para uso exclusivo dos nadsats, os adolescentes dessa cidade não identificada num tempo não específico. Com termos mesclando ricamente o inglês e o eslavo, diversas gírias rimadas e um modo de falar regado a um cinismo que remete à pompa clássica de nobres ingleses, a intenção de Anthony Burgess era criar um cenário de estranheza ⎼ o que ele conseguiu com primazia. A proposta inicial do autor era, justamente, de que o leitor não entendesse por completo o que era dito antes de, por meio de um forte choque de cultura, imergir sem volta no mundo de Alex e sua gangue. As edições atuais (exceto a britânica) contam com um glossário nadsat ⎼ esse apêndice, porém, está ali apenas como um opcional, pois a estranheza é um ponto relevante na experiência de leitura e eu lhes garanto, meus amigos, vocês nada perdem se simplesmente fingirem que aquele glossário não existe.❝Minha empreitada deverá ser, no futuro que estende para mim seus braços de neve e flores antes que a noja me tome ou que o sangue manche seu refrão final em metal retorcido e vidro quebrado na estrada, para não ser lovetado novamente.❞
Não é em vão que a obra é aclamada aos sete ventos: a crítica social feita por Anthony Burgess é forte e dolorosamente atual. O livro fala de livre-arbítrio, de controle de massas e do crescimento natural (ou não) do homem, e é difícil imaginar forma mais chocante de abordar tais temas. O autor abusa do dialeto nadsat para criar um ambiente assustadoramente alienígena e de cenas tenebrosas de violência❝A música ainda se derramava em metais, tambores e violinos a quilômetros de altura através da parede. A janela do quarto onde eu havia me deitado estava aberta. Itiei até lá e videei uma bela queda até os autos e ônibus e tcheloveks que caminhavam lá embaixo.❞
Laranja Mecânica é uma obra de ficção científica e distopia, que trata de temas como o processo de crescimento do ser humano, o livre-arbítrio e o controle excessivo que governos podem exercer sobre os indivíduos. É uma obra de leitura inicialmente difícil devido ao vocabulário único, mas que tem um grande potencial de imersão. Devido a diversas cenas de violência, é recomendado cautela para aqueles que se afetam demasiadamente por estes temas. É um livro que obriga o leitor a parar entre cada capítulo e pensar sobre o que acabou de ler ⎼ e lhes garanto, meus caros, depois dessa leitura vocês carregarão lições impossíveis de serem esquecidas.❝Mas o não eu não pode ter o mau, quer dizer, eles lá do governo e os juízes e as escolas não conseguem permitir o mau porque não conseguem permitir o eu.❞
Aleatoriedades
- Eu comecei a ler este livro e fiquei mais de uma semana totalmente travado nas primeiras vinte páginas. Quando peguei de verdade pra ler devorei em duas sentadas!
- Esses vinis nas fotos são todos do senhor Lúcio, meu pai. Gostaria de agradecer a ele por ceder essas peças tão frágeis para essas fotos lindas. E sim, meu pai ama Roberto Carlos.
- Minha identificação com Alex foi muito paradoxal. Eu sou apaixonado perdidamente por música clássica, assim como ele, e a música é uma peça ricamente explorada na trama, mas é impossível compactuar com todos os seus pensamentos.
- E só para não perder o costume: este belo livro é da coleção "comprados por impulso" da minha amada Aleph, assim como o Eu Sou A Lenda que já foi resenhado por aqui.
Ufa! Ainda estão por aí? Vocês já leram "Laranja Mecânica"? Se sim, o que acharam do livro? Se não, tem interesse em ler? Já viram o filme? Me digam nos comentários!
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VOA, LIBELINHA
VOA! 🙘