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15/12/2019

Vinte e três verões

Eu nunca gostei muito do verão. Quente e úmido, com chuvinhas e chuvões, a pele fica ainda mais oleosa e o cabelo fica meio esquisito. Não é uma boa época para fazer aniversário, porque as pessoas costumam viajar para um lugar em que o calor faça sentido ou para algum outro em que o clima esteja um pouco mais ameno. Mas, tudo bem, eu também nunca gostei muito de aniversários (se por esse motivo, eu não saberia precisar). Porém, contudo, no entanto... nesse vigésimo terceiro verão da minha vida as coisas parecem muito diferentes do que foram nos verões passados. Eu, que sempre me escondi dos trovões debaixo das cobertas, aprendi a observar as tempestades mesmo com o peito pesado de tanto medo ⎼ e, por incrível que pareça, não digo isso como uma metáfora embora pudesse funcionar perfeitamente como uma.
Não vou mentir e dizer que não chorei essa noite, como faço já há muitos anos na madrugada do meu aniversário sem saber por quê ou para quê: só que dessa vez, o salgado das lágrimas carregavam algo diferente e isso me fez refletir sobre a constante e silenciosa transformação das libélulas. Será que elas sabem que acima da superfície há todo um mundo para descobrir? Será que elas sentem medo quando finalmente se aventuram e esperam pela metamorfose? Será que elas sabem que quando saírem de suas cascas vão finalmente ter asas? Será que sabem que, depois de tudo isso, têm pouquíssimo tempo para explorar todas as cores do mundo antes do fim?

Imagino que quatro anos pareça muito tempo para uma libélula. Vinte e três me parecem como uma eternidade. Uma longa caminhada em uma estrada cujas margens podem apresentar paisagens deslumbrantes ao mesmo tempo em que um buraco ameaçador no asfalto ameaça me devorar; uma estrada que por vezes é preenchida com o som de passos que caminham comigo ou que me perseguem, enquanto em outras ocasiões o silêncio é tangível. A jornada é inestimável, não me entendam mal. O que me amedronta é o horizonte, que nunca se revela: não sou capaz de saber se o que me aguarda são as asas.

Há tempo que penso na minha existência como análoga à de uma libélula, em suas pequenas grandiosas transformações que ninguém verdadeiramente vê ⎼ pelo menos não até que as asas se abram em seu esplendor. Sou um ser em constante movimento, o que pode parecer difícil de acreditar para quem olha de fora: acho que a verdade que eu deposito nessas palavras é aquela da pessoa que fui, da pessoa que hoje sou e da pessoa que serei amanhã. É a verdade da minha própria metamorfose. Do meu próprio salto no desconhecido, na esperança de que algo melhor aguarda ao final da curva na próxima esquina.
Por mais que meus olhos visem o destino, não quero esquecer os passos da viagem. Para a Gislaine dos próximos verões, deixo a lembrança dos tropeços e dos saltos que essa revolução solar presenciou: o desabrochar de sua própria identidade pode ser um processo encantador e sufocante quando as novas experiências se chocam com aquilo que já se tinha constituído; sonhos parecem mais fáceis em metas idealizadas ou em conversas despretensiosas, torná-los reais é recompensador e aterrorizante na mesma medida; nem sempre é possível ter controle sobre o abismo entre o encerramento de um ciclo e o princípio do seguinte; a verdadeira fé pode surgir em lugares onde antes residia nada mais do que a mera curiosidade acerca de lendas e mistérios que circundam aquilo que não é facilmente compreendido; embora a frustração possa parecer asfixiante, não se deve deixar abater pelos casos em que o que foi feito não bastou ⎼ lembre da felicidade revigorante daqueles casos em que os ventos sopraram a favor. Por último, mas não menos importante: no final do dia, você ainda é apenas um ser humano ⎼ e a vida, ela nem sempre é gentil... por isso, seja gentil com as pessoas da sua vida.

Ufa! Ainda estão por aí? Quem é vivo sempre aparece.
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VOA, LIBELINHA
VOA! 🙘


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