Uma das minhas metas para 2020 era assistir algumas, se não todas, as obras indicadas ao Oscar. Admito: nada mudou no fato de eu não ter muita paciência para assistir filmes. Mas fiz um esforço colossal (na forma de uma maratona regada a pipoca e chocolate) para ver as categorias em que eu tinha mais interesse antes da cerimônia, que aconteceu no dia 9 de fevereiro. Já passou algum tempo, mas decidi comentar um pouco o que eu achei dos curtas animados indicados ao prêmio – e aproveitar a oportunidade para discutir um pouco a relevância social da vitória de HairLove, mesmo que minha torcida estivesse em outro lugar.
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Da esquerda para a direita: DCERA, Hair Love, Kitbull, Memorable e Sister. |
Por sinal, como boa obsessiva que sou, fiz uma tabela de Indicados ao Oscar 2020 para acompanhar o meu progresso e marcar minhas apostas. Caso queiram conferir: os títulos que estão em azul foram meus escolhidos, em dourado são os que ganharam – ou seja, nessa experiência o que eu aprendi foi que esse ramo de apostas não é exatamente uma possibilidade de investimento para o meu futuro. Sem mais delongas, vamos aos curtas animados!
DCERA (Daughter)
DCERA (Daughter) é um curta metragem tcheco de aproximadamente quinze minutos dirigido por Daria Kashcheeva. Nesse curto período de tempo, o silêncio se torna doloroso para quem assiste – traz a angústia de toda uma vida de rancores não ditos que, cedo ou tarde, se transformam em rachaduras hostis no relacionamento entre pai e filha. A memória de uma garotinha que se identifica com o pássaro ferido ignorado pelo pai faz com que, mesmo no leito de morte de seu progenitor, ela não consiga sustentar o olhar em sua direção. Às vezes, o passado pode ser um obstáculo para viver o presente: e esse é um daqueles casos em que talvez seja tarde demais para fazer os remendos necessários.
O curta apresenta uma estética um tanto quanto sombria nos momentos atuais da narrativa e usa da estratégia de uma paleta de cores mais visualmente agradável para as memórias, que aos poucos perde a cor conforme a personagem se sente mais subjugada pela solidão. Devo admitir que o aspecto meio perturbador dos personagens e dos cenários tornou a obra desconfortável de assistir – e foi, a princípio, um dos fatores para que eu não gostasse tanto assim do curta. Claramente isso não faz com que a mensagem que o conjunto transmite perca o seu valor em si, só não funcionou muito para mim.
Hair Love
É um dia ansiosamente esperado pela pequena Zuri, que já acorda com toda a energia para se vestir e se arrumar para a ocasião especial. Acontece que, aparentemente, arrumar as próprias madeixas é mais difícil do que ela esperava: é aí que o pai entra em cena (não que ele esteja tendo mais habilidade do que ela nessa tarefa). Sem muita experiência, porém com muito amor, pai e filha se desenrolam em uma luta simbólica não contra os cachos da garota – mas em prol da aceitação e representatividade do cabelo afro nas grandes narrativas contemporâneas.
Hair Love foi escrito, produzido e dirigido por Mattew A. Cherry a partir de uma campanha de 2017 do Kicstarter – que alcançou, à época, o recorde de maior financiamento coletivo da plataforma na categoria de curta-metragens: a meta inicial, de US$75.000, foi ultrapassada até chegar aos US$300.000! Exibido nos cinemas junto de Angry Birds 2 e lançado como livro infantil que foi sucesso de vendas, Hair Love conquistou também a estatueta dourada. E, se querem a minha opinião, foi mais do que merecido! Em um cenário em que narrativas brancas e europeizantes dominam os canais de entretenimento, o alcance que o curta-metragem conquistou com seus méritos tem o potencial de impactar milhares de mulheres negras que ainda hoje se sentem oprimidas por preconceitos e estereótipos – que recaem sobre seus fios, sobre sua cor, sobre seus corpos. A estatueta de ouro reconhece, mais do que a qualidade do material, uma geração pronta para quebrar paradigmas retrógrados da sociedade.
Kitbull
Durante pouco menos que dez minutos, acompanhamos uma amizade improvável entre um gatinho de rua ferozmente independente e um pitbull mal-tratado que parece ser obrigado a participar de rinhas entre cachorros. Mesmo que suspeitando da aproximação do cão, aos poucos o gatinho percebe que aquele animal com aparência de fera na verdade guarda um coração gentil carente de amor e carinho.
Escrito e dirigido por Rosana Sullivan, Kitbull faz parte do projeto SparksShots do estúdio Pixar, que visa dar oportunidade a novos talentos. Acho que podemos dizer que a chance foi muito bem aproveitada, considerando a indicação ao Oscar! Sendo o primeiro dos curtas animados que vi entre os indicados, Kitbull me surpreendeu por me fazer rir e
Mémorable
O mundo ao redor de Louis e sua esposa, Michelle, parece estar mudando em um ritmo cada vez mais alucinante. Cada dia traz um novo acontecimento estranho: objetos que deixam de ser o que são ou que parecem ser o que não deveriam ser. As coisas parecem cada vez menos reais. As pessoas lentamente começam a desaparecer em pinceladas caóticas e perturbadoras de tintas. O que o pintor não sabe, ou talvez não compreenda, é que sua mente vem perdendo espaço para o mal de Alzheimer: o curta-metragem pretende mostrar, de forma poética e avassaladora, como a realidade de uma pessoa é afetada pela doença – vista de sua própria perspectiva, não de um terceiro que lhe preste cuidados.
Dirigido pelo francês Bruno Collet, Mémorable foi um dos curtas animados que mais me tocou e surpreendeu: não apenas pela força da mensagem, mas pela sensibilidade em sua transmissão. Em poucos minutos, de uma forma ao mesmo tempo brutal e delicada, o que ficou foi que o indivíduo não deixa de ser alguém por não ser capaz de se lembrar de ninguém: ele sente e sofre, ainda que de forma incompreensível para quem não tem acesso ao que se passa em sua mente. A solidão de estar preso a uma condição que ninguém compreenderá, independente de suas tentativas de esclarecer, só não é mais avassaladora que a solidão de um mundo em que ninguém parece familiar.
妹 妹 (SISTER)
Dirigido por Siqi Song, Sister é o único curta animado indicado ao Oscar que não foi lançado em 2019: ele é um pouco mais antigo, de 2018, e embora não tenha levado a estatueta de ouro foi amplamente premiado em diversos festivais. O narrador lembra, por meio de cenas em tons de cinza com pontos de um vermelho vivo, como foi dividir a sua infância com uma irmã caçula pentelha. O enredo, porém, se dá em plena década de 1990 quando a China vivia um contexto político de rígido controle da natalidade...
Minha experiência com esse curta foi marcante. A princípio, enquanto parecia se tratar apenas das desavenças de se ter um irmão mais novo, eu nada podia fazer além de me identificar com o sentimento ambíguo de amor e ódio que o narrador cultivava pela irmã. Só nos momentos finais percebi que não era nada disso e que eu deveria me sentir grata pela mera existência daquele que tanto já me irritou: o que para mim era algo corriqueiro teve um significado profundamente doloroso para milhares de pessoas que, por questões além de seu controle, se viraram diante da tórrida dúvida: como as coisas teriam sido se...?
Minha experiência com esse curta foi marcante. A princípio, enquanto parecia se tratar apenas das desavenças de se ter um irmão mais novo, eu nada podia fazer além de me identificar com o sentimento ambíguo de amor e ódio que o narrador cultivava pela irmã. Só nos momentos finais percebi que não era nada disso e que eu deveria me sentir grata pela mera existência daquele que tanto já me irritou: o que para mim era algo corriqueiro teve um significado profundamente doloroso para milhares de pessoas que, por questões além de seu controle, se viraram diante da tórrida dúvida: como as coisas teriam sido se...?
Ufa! Ainda estão por aí? Me contem, vocês se iludiram junto comigo em alguma categoria? Chegaram a assistir alguma das obras indicadas ao Oscar? Me contem nos comentários o que acharam dos curtas animados de 2020!
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